Nas primeiras cenas, o filme mostra toda a ação, mas não explica exatamente o que está acontecendo, deixando que a descoberta, pelo menos para nós, aconteça depois. Esse é um dos motivos pelos quais o filme deve ser visto mais de uma vez (só estou me arriscando a escrever esta crítica depois da segunda). Depois, conforme a equipe de Cobb (Leonardo DiCaprio, em uma interpretação muito próxima da que teve em A Ilha do Medo) monta uma estratégia para invadir a mente de um multimilionário, começamos a ter contato com as regras do jogo. Aqui, apesar das óbvias dificuldades da explicação, passamos a ter uma boa ideia de como os invasores de sonhos trabalham. Só que, desta vez, ao invés de roubar projetos e ideias guardados dentro da mente da vítima, a equipe tem que plantar a resolução de abrir mão de um riquíssimo império empresarial. E isso é mais difícil porque: 1) As ideias podem florescer de diversas formas diferentes, 2) A pessoa não pode saber que o pensamento não partiu dela mesma, 3) A ideia fundamental deve ser inserida em um nível profundo dos sonhos, para que fique bem enraizada. Essas dificuldades são contornadas até que facilmente pela equipe, que parece uma espécie de Dream Team (neste caso, literalmente a equipe dos sonhos).
Nolan dá conta da ação através do mecanismo de defesa de Robert Fischer (Cillian Murphy, a vítima da invasão), para o qual seu cérebro foi treinado. Basicamente, um bando de oficiais que atiram muito mal e só aparecem para justificar as cenas de ação e aumentar a sensação de fatalidade de toda a missão.
Só assistindo pela segunda vez percebi o que me incomodou realmente no filme. Apesar da trama parecer bem amarrada, muitas coisas permanecem inexplicadas e, o que é pior, algumas vão contra as explicações dadas no começo. Na realidade, o próprio final dúbio depende dessas controvérsias. A produção provavelmente foi feita já antevendo as dicussões acerca disso tudo.
O que me incomodou é que o filme parte de uma explicação extremamente racionalizada para o funcionamento dos sonhos (como na maioria dos filmes de Nolan, na verdade) e, no final, parece depender muito de abstrações que não existiam nem hipoteticamente. O grande problema com a cena final é que qualquer das duas explicações que o filme parece apresentar (ou ele voltou à realidade ou continua preso em um eterno sonho-final feliz) são igualmente inverossímeis. Ele não pode ter realmente voltado ao mundo real porque, primeiro, eles não conseguiriam acordar quando quisessem, pois isso depende de um forte narcótico, que dura por algumas horas. E outra, Saito (Ken Watanabe, o empresário que os contratou para o serviço) só conseguiria voltar ao mundo real em um estado de total alienação, pois passara o tempo equivalente a muitos e muitos anos no limbo (um tempo quase infinito, como havia sido citado). E quem conseguiria explicar por que Cobb ainda está jovem enquanto Saito está velho e caquético? O empresário só morreu depois que Cobb foi para o limbo.
A teoria de que ele continuava sonhando também tem suas limitações. O limbo é a camada mais profunda do sonho (aqui, claro, utilizando-se da lógica do filme) e Cobb demorou anos para construir todo aquele local imaginário. Como, então, ele teria entrado em um outro sonho?
Creio que a única explicação plausível é que ele tenha imaginado tudo a partir do momento em que é encontrado na praia por um dos seguranças de Saito. Por acaso alguém sabe como ele chegou ali? Acredito que esse fosse um indício de que tudo o que aconteceria dali pra frente seria um sonho. Portanto, a conversa com Saito, seu retorno, o reencontro com os filhos seriam todos uma forma de sua mente lhe providenciar um final feliz. Aquilo se tornou seu limbo, assim como havia sido um paraíso por um tempo para ele e Mal (Marion Cotillard, sua esposa).
Por si só, um filme que nos faz pensar e tecer teorias sobre seu conteúdo já deve ser considerado como um bom filme. A Origem é um ótimo filme porque alia isso a boas interpretações do elenco e a imagens e efeitos visuais fascinantes. O problema é que talvez Nolan tenha se perdido em meio a toda a lógica maluca da produção. Ou não. Talvez só ele tenha o mapa desse labirinto. De qualquer forma, acho que é algo que nunca descobriremos.
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